O grilo e o pirilampo
Era noite de Consoada e em toda a casa se respirava alegria. O presépio tinha sido montado sob a árvore de Natal que reluzia com luzes e bolas coloridas. Cheirava a filhoses e na lareira crepitava a fogueira. Os sapatinhos alinhados esperavam a chegada do menino Jesus.
Lá fora estava frio mas alguém espreitava através da vidraça. Quem estivesse atento, poderia ouvir o canto inconfundível do grilo que vivia no arbusto do jardim.
Arreliado com esse gri gri todas as noites, estava o pirilampo que vivia no mesmo arbusto. Nessa noite a paciência esgotou-se e o pirilampo resolveu dizer:
- Então compadre será que ao menos na noite de Natal nos vai deixar dormir? Olhe que não se aguenta tanto chireio.
- Chireio? Não me ofenda amigo! Está a confundir-me com os mochos? Eles é que chireiam. Ou queria dizer chilreio, que é a voz das andorinhas?
- Ora compadre para mim é tudo a mesma coisa. É barulho e não me deixa dormir.
- Fique sabendo que se diz que o grilo canta, estridula ou guizalha. Isto é, toca afinadinho como um violino. Até os anjos gostam! Não percebo como pode ficar incomodado!
- Se lhe parece! Não se esqueça que eu tenho quase 3 anos e já ouvi o canto de muitos dos seus antepassados.
- Três anos? Exclamou o grilo. Credo, um grilo vive cerca de cinco a seis semanas e já acho muito! Mas, por falar em incomodar, já reparou que ainda ninguém se queixou por você passar a noite a acender e a apagar a luz ? Todos os inquilinos do arbusto deviam exigir que apagasse a luz durante a noite.
- Ó compadre, olhe que até lhe fica mal. Todos admiram a forma como brilho mas reclamam é dos seus saltos e gritos espalhafatosos, disse o pirilampo.
Debaixo de uma folha das estrelícias, mesmo juntinho à janela, disse o caracol para os filhos:
- Meus filhos, prestem atenção à conversa destes dois. Cada um só critica o que faz o outro. O grilo não dorme com a luz que o pirilampo emite durante a noite. O pirilampo não dorme com o canto do grilo e nós com tanta conversa não podemos apreciar os cânticos de natal, nem dormir. Não tarda nada chega o menino Jesus às casas em que se acredita Nele e com sorte, podemos apreciar as renas e o Pai Natal a sobrevoar os céus visitando todos os que o esperam. Sabem, alguns humanos esperam o Pai Natal e abrem os presentes à meia-noite. Outros preferem o menino Jesus e acordam cedo para ver o que lhe deixou Ele no sapatinho.
- A que horas chega aqui o Menino, paizinho? Perguntou o mais pequenino.
- À meia-noite. Dia 25 de Dezembro é dia do seu aniversário. Mas temos que estar em silêncio, disse o pai.
- Pediste algum presente, papá? Perguntou o filho mais velho.
- Como sabem os grilos comem vegetais frescos mas os pirilampos gostam de lesmas e caracóis. É por isso que eu peço sempre a Deus que não permita que o pirilampo cá do jardim espreite para debaixo da nossa folha, explicou o pai.
- Olha papá, vem aí o Pai Natal. Que lindo!
- Reparem como ele entra cuidadosamente pelas chaminés. Com que cuidado coloca todos os presentes nos sapatinhos.
- Papá olha que o sapatinho mais pequenino está cheiinho! De quem será? Disse baixinho o filhote mais novo.
- Aposto que é do pequenino Daniel, o bebé que este Natal faz quatro meses e encheu esta família de alegria. É como cá em casa! Quando nascem bebés, ficamos radiantes. Eles como só receberam um bebé estão sempre ansiosos por lhe pegar ao colo, por lhe dar mimos e anseiam por um sorriso do pimpolho, explicou o pai. Olhem bem para o presépio. Estão a ver o Menino Jesus?
- Oh! Tão pequenino! Exclamaram a uma só voz.
- Papá! Repara, o grilo calou-se e o pirilampo apagou a luz mal o Pai Natal se aproximou.
- Ficaram assustados. Eles só dão nas vistas quando pensam que ninguém dá por eles. São assim mesmo os fanfarrões desta vida. Felizmente nós sabemos ser silenciosos e cautelosos. Agora puxem a folha, tapem-se bem. São horas de dormir. Amanhã chega o Daniel e os seus papás para o almoço de Natal e vocês vão querer ver tudo, não é verdade?
- Claro! Até amanhã, eu vou já para dentro da minha conchinha. Durmam bem! Boa noite!
- Boa noite! Responderam em coro todos os irmãozinhos.
E Deus, que tudo observa, sorriu e proporcionou uma boa noite a todos naquela casa, tanto aos que dormiam no interior quentinho como aos que vivem no relento do jardim. 24/12/2012
(Verdade, verdadinha, nesta história há uma mentirinha:)
Em rigor da verdade, nesta consoada e pela primeira vez nos sessenta anos da avó Ni nem um só sapatinho se perfilou diante da lareira, nem nesta crepitou fogueira alguma.
A ceia foi passada numa sala mais pequenina que era ainda assim grande para a família presente. O som da televisão fez-nos companhia durante a consoada. Não houve sapatinhos porque, sabe-se lá porquê, o menino Jesus deu a vez ao Pai Natal que só chegou no dia seguinte, ao almoço.
Mas, como sempre que há um "senão há também uma bela" o cheirinho da cebolada de cominhos a regar o bacalhau com todos trouxe de presente o nosso querido pai que em todas as noites de consoada e na tal lareira que mantinha acesa pela noite fora grelhava "Rato no espeto", e distribuia um pedaçinho a cada neto. Se fosse preciso fazia-se fila para ter direito a tal iguaria. Este ano, também se comprou a" ratice" mas tal como aconteceu no ano passado, ninguém se dispôs a gelhá-la.
Para que a memória se não perca devo explicar que a tradição da" ratice grelhada" só surgiu com as brincadeiras entre o avô Zé e cada um dos seus sete queridos netos e evidentemente ninguém comia o dito animalzinho mas um petisco à moda do avô.


