O amor é misterioso      

De cima de um ramo da roseira o Monge, um louva-a-deus macho descansava.

Com a parte anterior do corpo levantada e os membros anteriores unidos, parecia rezar. Era esverdeado e estava sempre imóvel por isso confundia-se facilmente com a roseira.

 O espertalhão sabia que as suas patas dianteiras prendiam rapidamente a caça, levando-a directamente para a sua forte boca e que moscas, abelhas, gafanhotos, cigarras, nada lhe escapava. O felizardo tinha cinco olhos e foi assim que, pelo canto de um deles, viu outro macho aproximar-se. Se não estivesse com apetite tinha-se retirado mas preferiu enfrentar a luta. Esta começou com os dois adversários em posição de guarda como no boxe, para logo se engalfinharem atacando -se sem dó nem piedade. Todos os habitantes do jardim aguardavam o desfecho e viram espantados Monge matar e comer o vencido para depois, de barriga cheia, dormir um bom sono em posição de oração.

- Afinal o Monge reza em silêncio mas as suas “rezas” chegam mesmo ao céu! Exclamou, em surdina, a cigarra para os filhos ,tratem de ficar longe daquele comilão! acrescentou.

 - Valha-me Deus, ele matou e comeu um parente? -Que selvagem! - protestou a formiga Fanica correndo pelo carreiro para a entrada do formigueiro.

Nessa noite, Fanica contou a todas as suas irmãs o sucedido. Para seu espanto a Rabiga retorquiu:

- Com a pressa não viste o que aconteceu depois!

- Não me digas que comeu mais alguém?

E a Rabiga, cheia de paciência, contou:

 - Quando o Monge acordou estava tão feliz que resolveu ir a casa da sua amada, a louva-a-deus fêmea mais jovem do jardim. Já há algum tempo que namoravam.

Combinaram então partir de núpcias nessa linda tarde de sol.  

 -Os noivos apareceram lindos e houve festa animada. Monge dançou, provou todas as iguarias, embora estivesse um pouco preocupado com a noiva que não mostrava nenhum apetite. Nem uma migalha de bolo quis ela provar! Todos estavam espantados com a delicadeza e ternura com que Monge tratava a noiva.

Não havia dúvida, estava mesmo de cabeça perdida por ela.

- Já ninguém se lembrava da luta em que o noivo se tinha envolvido de manhã, disse Rabiga, e acrescentou:

-Logo após a boda,. o noivo enamorado saiu levando a noiva ao colo enquanto esta se aconchegava agarrando-se firmemente ao seu pescoço. Foi então, exclamou Rabiga pesarosa, - que aconteceu o inimaginável:

-Entre abraços e beijos, num ímpeto de amor, a noiva agarrou o noivo pelo pescoço e ... arrancou-lhe a sua linda cabeça, comendo-a de seguida...

Um terrível silêncio pairou no formigueiro. Ninguém sabia o que pensar ou dizer.  

- Foi assim minhas amigas, acrescentou a Rabiga. O Monge perdeu mesmo a cabeça pela sua amada mas o seu corpo continuou vivo até fecundar a fêmea. - Mesmo que não acreditem, foi a terrível realidade.

Depois das núpcias a noiva, já viúva, retirou-se e escondeu-se entre as folhas a “rezar” agradecendo a boa refeição que a manteria alimentada até ao momento da postura dos ovos. Escondida na vegetação evitaria ser encontrada e devorada.

- Malvada, comeu o marido, disse Fanica soluçando.

- Moral da história, disse a velha rainha que ouvira tudo em silêncio, “ele provou do seu próprio veneno” e acrescentou, já os antigos diziam “ não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.

A Rabiga, que era uma formiga muito esperta e estudiosa, não disse nada mas ficou a pensar que na família do louva-a-deus devia haver uma explicação muito forte para este comportamento.

O Monge não devia ser tão mau como parecia, pensou no silêncio da noite. Tinha sido mesmo um heroi. Deu a vida pelos filhos,é cá dos meus!  "Pelos nossos, TUDO!”

 E com este pensamento a Rabiga despediu-se da noite, com a certeza que, no dia seguinte voltaria a haver sol, formigas, louva-a-deus e todos os seres vivos do jardim da avó Ni. Tudo estaria em ordem como sempre. 19/1/2013