Ai, venham ver!

 

 

No jardim todos sabiam de cor a letra da canção:

O melro não quer ser verde,
P’ra no verde se embrenhar,
Vestido de preto se perde,
Nos ramos deste lugar.

A fêmea do melro olhava com muita vaidade para o marido enquanto continuava a cantar:

Assenta-te como uma luva,
O negro dessa plumagem,
E acentua a coragem,
Quando na apanha da uva,
Por saberes tão bem voar,
És um ás a vindimar.

O melro olhava com superioridade os ninhos das outras aves.

Tinha a certeza que o seu, era o ninho mais bonito do jardim.

Sabia que a pardoca sentia inveja porque durante a lida da casa ouvia-a cantarolar baixinho:

Preto de bico amarelo,
melro dos ovos azuis,
Ao Sol és o mais belo,
Ao vento, vê-se que fluis.

O melro tinha a certeza que todos invejavam os seus lindos ovos azuis. Não haveria nunca um azul mais bonito. Era, por isso, um pai babado e não se cansava de perguntar aos vizinhos:

- Digam lá, já viram azul mais bonito que este?

Ninguém respondia. O melro tinha razão.

Os dias foram passando até que, no finalzinho de Agosto a Penélope, a gatinha preta, conhecida por "Penny", que da janela olhava gulosa o cirandar do melro, exclamou cantando num longo  miado:

-Ai! Venham ver!

Venham ver os olhos dele!

Que maneira tem de olhar!

 -Ai! Venham ver!

Venham ver que lindos olhos

acabaram de chegar!

Que rebuliço! Todos se apressaram. As aves empoleiravam-se na corda da roupa para melhor espreitar pela janela. A Lucky, a cadelinha da casa, saltou para o tanque de lavar roupa e também tentou ver.

Todos esperaram pacientemente que os pais saíssem da frente do pequenino bebé que com três dias acabara de chegar a casa da avó Ni.

- Quem é este? Nunca o tinha visto! perguntou a carriça curiosa.

- É o Daniel, o nosso menino. Está a mudar a fralda. Esperem um pouco, disse a paciente Bessi. E foi então que todos exclamaram:

- Que lindos olhos! São azuis!

- Ó pardoca, são azuis como duas gotas de água. Que maravilha! disse baixinho o pardal.

- Pois eu, penso que são da cor do céu. São lindos! disse a carriça entusiasmada.                                                                       

- São da cor da pedra do anel da avó, garantiu a Penélope.                                                    

- Ó compadre, parece que afinal há mais azuis! E que lindos são! Já reparou que os olhos do pequeno são tão cristalinos, brilhantes e azuis como o céu? perguntou a pardoca que já tinha reparado no ar espantado do melro.

- Hoje é Natal cá em casa! Estamos em festa! Calma, todos os filhos são lindos aos olhos de quem os ama, apressou-se a Bessi a dizer.

-Tem razão amiga Bessi! exclamaram em coro todas as avezinhas.

-Amem os vossos filhos. Lutem e protejam-nos. É essa a verdadeira beleza da vida. Belo é o amor, acrescentou a Bessi que gostava de viver em paz.

- Perdoem a minha vaidade. Os vossos ninhos também são feitos com muito amor e os vossos filhos são lindos, reconheceu o melro.

A  Bessi saiu devagarinho. Foi deitar-se na senhorinha cor-de-rosa no quarto do Daniel onde podia vigiar o seu soninho. Lembrou-se com carinho da fada dos miosótis que salpicava o mundo com os mais belos azuis.

Alheio a tudo, o bebé dormia no seu bercinho, sonhando com o leitinho que a mamã lhe daria e com o colo quentinho que teria sempre nos braços do papá.  

22/12 /2012