A formiga Fanica
No canteiro do feto grande, aquele que veio do Luso há quase vinte anos, nasceu há muito uma camadinha de musgo verde e fofo.
- Parece o local ideal para fazer um presépio, disse a avó Ni à Bessi, ambas sentadas no banco verde observando atentamente aquele pedacinho de jardim.
O dia estava a chegar ao fim. Daí a pouco não haveria luz suficiente.
- É melhor deixar o trabalho para amanhã! exclamou a avó.
- Toca a trabalhar! Nada de preguiça! disse uma vozinha fininha mas autoritária.
- Chiu! sussurrou a avó Ni à Bessi, que já estava de orelhas arrebitadas. Vê se descobres quem falou! acrescentou.
De repente viu. A voz era de uma formiguinha que empoleirada no musgo dava ordens. Era a Rabiga.
- Toca a andar Fanica, não tarda é noite mas o trabalho não pára!
- Mas eu estou tão cansada! disse a Fanica, que carregava mais um pedaço de folha de roseira. Estar todo dia a fazer isto, é demais!
- Mas tu julgas que nasceste cigarra?
- Não … nem sei cantar! Se tivesse cem patas como as centopeias, já ficava contente. O trabalho que eu não faria com 100 patas! Mas só tenho seis!
- Cem patas! exclamou a Rabiga que continuava atarefada. Gostava de te ver a lavar os pés! Ficavas estafada só para tomares banho! Além de que não havias de gostar de viver escondida e sair só de noite.
- De noite? Isso não! Eu cá gosto muito do sol, disse a Fanica espantada, e reconheço que lavar cem pés todos os dias também não me agradaria. Lavar seis já dá que fazer… mas ando esfalfada!
- Tens uma boa vida Fanica, disse em voz baixa o Estrilho , uma formiga macho que tinha ouvido a conversa.
- Sou uma operária! Farto-me de trabalhar. Se fosse um macho como tu é que tinha uma boa vida! Que eu saiba, tu vives regalado à espera da noite de núpcias. Não fazes mais nada, disse Fanica muito espevitada.
-Que sabes tu de mim? respondeu o macho, afastando-se.
- Fala baixo, disse a Rabiga.
- É verdade! Eu bem vejo que eles só sabem fazer a corte à rainha. Só precisam de saber fazer vénias, ter boa conversa e esperar pelo "voo nupcial". Que rica vida!
- Sim, e depois? Que acontece depois? Perguntou a Rabiga.
- Depois? Depois devem esperar pelas filhas e filhos. Mas nem para isso servem. Tenho reparado que há um batalhão de formigas operárias a cuidar das larvas até que elas se transformem em pupas e depois em formigas adultas. Nós, as operárias fazemos tudo!
- Estás enganada! Eles morrem pouco depois do "voo nupcial".
-O quê! Todos? Não fazia ideia! Livra, que destino!
- Reparaste que enquanto conversavas, trabalhaste tanto como eu sem te queixares? perguntou a Rabiga que era uma formiga observadora e informada.
-Pois foi! Como estava concentrada na conversa não dei pelo tempo passar. Está quase tudo feito! disse a Fanica surpreendida.
- Como sabes temos que levar todos os dias um bom fornecimento de folhas para alimentar o fungo que cultivamos dentro do nosso formigueiro. É dele que nos alimentamos, explicou a Rabiga.
- Rabiga, ser rainha é que é ter poder, não te parece?
- Não concordo. Pois mal regressa do "voo nupcial", durante o qual acasala com os machos, perde as asas…
- Perde as asas? Não contes mais. Até me arrepiei! Deus me livre... Antes operária!
-Pois era isso que queria que percebesses. Poder, temos nós. Sabias que são as operárias que decidem quem será rainha ou não?
- Como é isso? Nós decidimos?
- Claro! Então não vês que somos nós quem alimenta as larvas? Fica sabendo que é a alimentação fornecida à larva que determina se ela se transformará em rainha ou em operária. A rainha será fértil, isto é, terá filhos e filhas, enquanto que as operárias serão estéreis, mas serão óptimas trabalhadoras.
- Então e os machos? Também somos nós que decidimos quem serão?
- Eh! Eh! Também não queiras ter assim tanto poder! Os machos resultam dos óvulos que não foram fecundados durante o “voo nupcial”, explicou a Rabiga.
-Como é que sabes tanta coisa Rabiga?
- Guardas segredo?
- Claro, conta lá!
- Eu gosto de dar uns passeios a um lugar secreto da casa. Está cheio de livros fantásticos e alguns deles são sobre a vida das formigas. Se eu te disser que já existem formigas há 80 milhões de anos, ficas espantada?
- As coisas que tu sabes! Estou muito aliviada. Felizmente não sou centopeia, nem rainha e muito menos formiga macho. Estou feliz por ser operária e ser formiga. Ao trabalho!
E lá foram elas pelo carreirinho, para dentro do seu confortável formigueiro, onde milhares de formigas se ajudavam em grande harmonia.
- E nós, querida Bessi? Vamos para dentro tratar do jantarinho? Já são horas! disse a avó Ni, pegando na Bessi ao colo.
- Temos que ter cuidado! Não podemos deixar nem um grãozinho de açúcar lá onde tu sabes. Já percebeste que pelo menos uma gulosa curiosa encontrou o nosso cantinho? Gosta de ler a marota !Eh! Eh!
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