O professor caracol, a cigarra e a formiga    

      

 

 

Entre os pés das folhas da estrelícia Hélix, o professor caracol, aproveitava a sombra de fim da tarde para ensinar os jovens alunos:

- Todos sabem que as formigas são muito trabalhadoras e organizadas, afirmou. - Nunca se viu uma formiga dormir! - Quando estão muito cansadas caminham mais devagar mas basta haver necessidade e todas aceleram o passo. E continuou:

- Num formigueiro, em cada ninho, vivem várias gerações de formigas que se estimam e ajudam. São muito cuidadosas com as mais pequeninas, alimentando-as, mudando-as de lugar, mantendo-as limpas e cuidando da sua saúde.

- Todas trabalham? perguntou um dos alunos.

- Dividem o trabalho entre si. Assim, algumas são especialistas em reprodução, outras constroem e reparam os ninhos, há as que alimentam e limpam a rainha, outras buscam água e alimentos. Dependendo da idade, as operárias podem mudar de actividade. As mais jovens são amas das crias, cuidando da prole que formará a nova geração. Quando crescem, tratam de cuidar das tarefas internas do ninho limpando-o e arejando-o e, quando são mais velhas, ocupam-se com as actividades externas, sobretudo buscando de água e alimentos e explorando do ambiente. Há ainda as que tratam da defesa do formigueiro. Fixou o olhar nos caracolitos para ver se estavam atentos e acrescentou:

- Reparem como no carreirinho de formigas, que existe no tronco da tangerineira, há grande azáfama. Centenas de formigas sobem e outras tantas descem rapidamente. Estão a pastorear o seu rebanho de pulgões levando-os para as folhas mais suculentas e impedindo-os de apanhar muito sol ou serem comidos pelas joaninhas.

- Professor, ouvi dizer que certa vez, uma formiga deixou uma pobre cigarra morrer de fome e frio durante o Inverno…

– Pois, – essa história, – foi um boato que se espalhou. - A verdade é bem outra.

- Não é verdade? - Conte, conte, pediu o Palmilha, o caracol mais pequenino da turma.

- Pois... é verdade que a senhora formiga trabalhava sempre de sol a sol e que mesmo de noite estava atenta para que nada prejudicasse a sua família enquanto a cigarra estava a pôr, bem escondidos, numa fenda de uma árvore, os ovos donde nasceriam os seus filhinhos. Mal acabou de o fazer, a cigarra sentiu-se muito cansada e velha e apesar da formiga tentar ajudá-la, acabou por morrer. O mesmo aconteceu a todas as suas irmãs e irmãos. E acrescentou:

-D. cigarra ainda teve tempo para explicar à amiga que era sempre assim, que algum tempo depois de pôr os ovos, todos os adultos, machos ou fêmeas de cigarra, morriam.             

 Quando viu que a  senhora formiga tinha ficado aflita explicou-lhe que era a melhor maneira de proteger os filhos porque enquanto milhares de cigarras caiam mortas das árvores, todos os pássaros e predadores esfomeados eram atraídos para os seus corpos, devorando-os. Desta maneira explicou, as cigarrinhas bebés, chamadas larvas, mal acabavamm de nascer, corriam o mais que podiam pela árvore abaixo e, por serem muito pequeninas não davam nas vistas até se  escondem debaixo de terra.

- Então não passam o inverno a cantar? retorquiu um caracol curioso.

- Durante muito tempo, que pode ir até desassete anos não voltam a ver o sol, nem pedem comida ás formigas que também vivem debaixo de terra. Pois  elas só se alimentam da seiva das plantas! explicou o professor sorrindo.

- Como é isso? Não gostam de comida de formiga? perguntou o preguiçoso, caracol mais velho da turma.

- A boca das pequeninas cigarras  tem a forma de um tubinho com o qual perfuram as raízes das plantas e sugam a seiva das árvores  onde vivem. É como se bebessem pelo biberão!

- Essa tem graça, não têm mãe mas mamam na mesma. Eh! Eh! riram os pupilos em coro.

- Eu diria que bebem por uma palhinha, disse o Palmilha. Conte o resto da história por favor!

E o professor lá continuou:                                                                                                                        

- As filhinhas da cigarra viveram , debaixo de terra vários anos, mesmo ao lado dos túneis do formigueiro. Foi assim que ficaram amigas das formigas bebés  e das jovens formigas que cuidavam das pequeninas. Habituaram-se a brincar umas com as outras. Quando  as cigarrinhas começaram a sentir que iam ficar adultas, cavaram tuneis e sairam do solo, todas ao mesmo tempo, treparam pelas árvores acima, rebentaram o esqueleto externo  que  as envolvia e de dentro dele saiu uma cigarra adulta com asas.                   

As formigas que viram este espectáculo pela primeira vez, bateram palmas de alegria. Foi então que começou a cantoria. Uma formiguinha que nunca tinha ouvido falar de tal coisa perguntou:

- Mãezinha , porque estão elas a fazer tanto barulho?

E a senhora formiga apesar da pressa parou para explicar:

-Os machos cantam desesperadamente para que fêmeas os encontrem. Todos sabem que têm  muito pouco tempo para acasalar antes que os pássaros as comam. Mas se os machos forem perturbados defendem-se. podem fazer um grito tão alto capaz de afastar predadores que não suportam tal som. Até mesmo as cigarras  têm de se proteger do seu próprio grito. Possuem para isso de um par de grandes membranas que funcionam como orelhas e quando os machos cantam, todos dobram as membranas para que o som alto não os incomode. Depois acrescentou:

-Sabes que quando querem voar ou fugir  depressa, esguicham água para ficarem mais leves? Da seiva que beberam só guardam o açúcar e vitaminas. Fica sabendo que muitos animais aproveitam a água que “chove” quando as cigarras esguicham. Até nós, as formigas, aproveitamos bem esta água.

-E depois? Depois? perguntou alvoroçada a formiguinha.

- Quando ficam encantadas com a  canção de amor , as cigarras acasalam-se. A seguir, a fêmea faz cortes na casca de um galho e aí deposita os seus ovos. explicou a formiga mãe acrescentando: - Agora vamos trabalhar, meninas!- Onde é que se viu formigas paradas à conversa?- toca a andar!

- Mas...  mas... acaba assim? perguntou espantado o Palmilha.

- O resto já contei.Depois, morrem às centenas e servem de alimento a todos, incluindo às formigas que tudo aproveitam.

- Mas se é assim, porque é que as cigarras têm tão má fama? perguntou alguém do alto da caleira da casa da avó Ni. 

Todos olharam para cima e viram a curiosa formiga rabiga que olhava  para os caracois lá do alto.

- Olá Rabiga, disse o professor que conhecia de vista aquela formiga esperta e trabalhadora, vou tentar explicar isso:

-  Como calculas não é fácil suportar o estridular de tantas cigarras enquanto temos tanto que trabalhar ao mesmo tempo que é indispensável estar atento  a qualquer ruído que indique a aproximação de um inimigo que nos quer matar. Deve ser por isso que as cigarras têm tão má fama. Além disso como nunca ninguém as viu trabalhar ganharam fama de preguiçosas.

- Pois é, disse a Rabiga, e acrescentou – este mundo é espantoso, tenho que ir, obrigada, disse a rabiga partindo a correr para o carreirinho de formigas.

- Agora meninos, toca a andar!disse o professor, é hora de procurar legumes e fruta. Cuidadinho com os carnívoros. Ao menor perigo toca…

- Para dentro de casa, disseram todos  os caracois em coro.

- Adoro a minha casinha protectora! Quando me assusto, escondo tudo, desde a cabeça ao pé, pensou o Palmilha enquanto procurava as folhinhas mais suculentas. 28/1/2013