De burros e raposas queremos distância
Em tempos que já lá vão, havia uma menina que vivia numa aldeia muito pequena e pobre. Chamava-se Luz e apesar de não ter irmãos e trabalhar todo o dia, andava sempre sorridente.
Todos se levantavam cedo para ir cuidar dos seus afazeres. Os camponeses, com muito trabalho tratavam de preparar os campos para as sementeiras. As mulheres começavam de manhã cedo a arranjar lenha para cozinhar durante o dia. Os ferreiros trabalhavam os metais. Os filhos ajudavam em todas as tarefas. Era normal que as famílias que tinham muitos filhos vivessem um pouco melhor do que as que só tinham um.
Os idosos viviam na mesma casa, ocupavam-se da educação dos mais novos e davam ajuda nas tarefas domésticas. Á noite, sentados em volta do lume, ouviam as histórias que os mais velhos contavam e que tinham ouvido aos seus pais na sua juventude.
Os pais de Luz, apesar de pobres e de trabalharem muito, eram felizes porque a filha era mesmo a luz das suas vidas. Mal o sol começava a aparecer no horizonte já ela andava a pé a cantarolar, colocava na sacola um pedaço de broa dura e uma maça e no odre água fresca. Depois lá partia em direcção ao estábulo. Mal o abria era um corrupio do pequeno rebanho pela porta fora em direcção ao pasto. A correria era controlada, pois Luz contava com a ajuda do Rafeiro, o cão da casa, que corria ao lado do rebanho mantendo-o na ordem.
Enquanto as ovelhas pastavam tranquilamente, Luz lia um pequeno livro de aventuras que a professora emprestava a quem gostava de ler. Nessas alturas o prado, as ovelhas e toda a montanha desaparecia e Luz via-se em casa do velho Gepeto entretido a construir o Pinóquio. Pouco tempo depois aparecia o pastorinho Rodrigo que não sabia ler mas adorava ouvir as histórias que Luz lia em voz alta, para ele.
Ao fim da manhã Luz voltava a casa numa correria, comia qualquer coisa e lá ia ela em direcção à escola. Era a melhor parte do dia. A professora, a D. Aldina estava cada vez mais velhota mas conhecia todos os alunos e sabia do que cada um era capaz. Nesse dia perguntou:
- Então Luz, achas que o Rodrigo este ano vem para a escola?
-Penso que sim minha senhora, ele está espantado com a história do Pinóquio e já me perguntou se achava que estava a ficar com orelhas de burro.
- E que lhe respondeste?
-Nada, ri-me e disse-lhe que se fosse comigo já tinha convencido o pai a deixá-lo vir estudar. Pior que ter orelhas de burro é ser burro, não dos de quatro patas mas dos outros, dos ignorantes. Já lhe expliquei que se acordar um pouco mais cedo tem tempo de pastar o rebanho, vir à escola à tarde e à noite à luz da candeia faz os trabalhos da escola, num instante. Por isso acho que desta vez ele consegue convencer os pais que o trabalho não fica prejudicado.
- És inteligente Luz e o Rodrigo nem sabe a sorte que tem em ter-te como amiga!
Dois dias depois apareceu na escola o pai do Rodrigo, queria falar com a D. Aldina.
No intervalo esta lá lhe perguntou:
-Então que o trás por cá, Sr. António?
- Vim por causa do meu Rodrigo senhora. O rapaz agora meteu na cabeça que tem que vir para a escola para não ficar com orelhas e focinho de burro. Todos os serões é a mesma conversa, de maneira que o velhote do meu pai ontem me disse:
-António, vai à escola perguntar à professora se ainda aceita o Rodrigo na escola. Olha que os que lá andam não ficam com a cabeça maior que a nossa e assim tiras a cisma ao garoto. Já viste se acontece crescerem ao miúdo as orelhas ou o cauda de burro?
- Claro que aceito Sr. António, mas diga-lhe que se levante mais cedo e vá pastorear o gado à mesma hora que a Luz, assim ela vai-lhe dando uma ajuda e não tarda o seu Rodrigo é um dos melhores alunos da turma.
- A senhora acha que o meu Rodrigo é inteligente?
- Claro que acho. Então se tem um avô que soube dar tão bons conselhos o garoto tem a quem sair esperto, não lhe parece? Vá descansado e deixe o resto por minha conta.
O Sr. António não cabia em si de contente. Mal chegou a casa deu logo a notícia à mulher:
-Amanhã o Rodrigo marcha para a escola. Pois se é esperto temos que aproveitar a sua esperteza. Foi o que disse a professora e olha que ela já ensinou muita miudagem. Desconfio que já foi professora do Sr. padre, do boticário e até do taberneiro. Vê lá se alguém os engana nas contas. Estão todos bem de vida, é o que é.
No dia seguinte quando Luz ia a sair para o estábulo já encontrou Rodrigo com as ovelhas à espera para irem juntos.
- Que foi? – Caíste da cama? Perguntou Luz sorridente.
- Melhor, o meu pai quer que eu vá para a escola, já hoje.
-Estás a ver? Eu sempre soube que o teu pai era esperto e não ia deixar de te mandar para a escola. Agora trata de estudar muito para mereceres essa honra.
- Claro, o melhor é andarmos mais depressa para aproveitar o tempo, disse Rodrigo contente.
E foi assim que se tornaram amigos e colegas inseparáveis e obtiveram as melhores classificações nos exames de final de ano. Sim porque nesse tempo, todos tinham que fazer exame final a todas as disciplinas para merecer passar para o ano seguinte. Quando tal não acontecia era hábito dizer-se que esse aluno tinha apanhado uma raposa o que significava que tinha reprovado de ano.
Nem Luz nem Rodrigo estiveram alguma vez perto de apanhar raposa alguma. 26/3/2013 03:24